Lisbon, Bairro Alto, 1995. ‘Retratos da Alma’ means Portraits of the Soul. This was the first time I strategically approached a theme – the Soul – and gathered around it a series of perspectives coming from diverse fields of artistic production and knowledge. This experience would become the matrix for subsequent events I’d curate. In a few words, it has been about: a) choosing a pertinent topic to intervene in social life; b) create an operative metaphor around it; c) gather a few artists and thinkers, invited to meet and share their craft and insights; d) and finally produce a documentation object – the book.
I was inspired to look for my own way of cultural activism after buying a book at the lobby of Palazzo Grassi in Venice, after visiting the retrospective of Marcel Duchamp. It was called Le Machine Celibi. And guess what (and I’d guess this myself only many years later!!!)… It was a project by… Harald Szeemann. In the spirit of Szeemann, a most innovative Contemporary Art curator (to say the least), and at the time me having no ideas about his importance in the History of Art, I guess I proposed the idea of the show to my colleagues at Fortespolio, a Graphic Design studio – Isabel Lopes and Luís Silva, himself a fine photographer. We then invited a number of other photographers and intellectuals to approach the theme of the Soul by means of Photography and text.
The rest is history. We hit a few lucky strikes. The space chosen for the show (the back rooms of the shop Papel&Companhia, owned by Rogério Moreira) was extraordinary. A ruinous maze of large divisions, the former premises of a Printing House. With the vision of architect Luís Pena, author of the installation, plus the techniocal support of Costa Brás, a lighting engineer, we created an eerie atmosphere, using low pressure sodium lamps. The yellowish non-colour effect was perfect to allow the photos – illuminated with precision with halogen projectors – to appear vibrantly. The no less extraordinary soundscape was realised by Bernardo Devlin, who used a mesmerizing slow loop of very simple sounds – realised through softly blowing into a bottle – in order to produce a minimal composition that permeated the space with a pervasive Human presence.
Luís Pena: «The idea of the achromatic, introspect and obsessive space – reinforced by the “soundscape” of Bernardo Devlin — referred to the film “Wings of Desire” where, in a magnificent black&white, ‘angels’ listened to the thoughts of the mortals. Here, in this space, we were the ‘souls’ who intruded the others’ thoughts… but, above all, the inherent to the images exhibited.»
The photographs managed to offer a most original set of points of view of the interconnected topics. Fabrice Picard presented visual remnants of dead people, images of their photos in tombstones. Pedro Ruivo recalled intimate memories, confronting images of home objects (in black & white) and wild natural landscapes (in colour). Steve Cox reported on the progressive disappearance of the Native American People from the surface of Earth, following the invasions started with Columbus, by means of repeating one image until its total erasure. Luís Silva contributed with an ironic series of portraits of pans, in an oblique comment to the common expression ‘to sell your soul to the devil’. Jorge Nogueira showed a series of mysterious experiments reminding the procedures of Alchemy.
The authors of the texts were António Ramos Rosa, the poet, Prof. João Lobo Antunes, neurosurgeon – both would be recipients of the Pessoa Award in the immediately following years –, Frei Bento Domingues, theologian and Nuno Porto, an anthropologist. One phrase by Nuno Porto deserves the highlight: «A Photography exhibition based on a specific project is a place for cultural production in the most descriptive send of the term: the manipulation of available formal resources in order to render them new meanings, or of the production of new objects, inserting them in an existing semantic field and this augmented process. The exhibition becomes a prey of what exists, even if such existence remains, until its realisation, in the field of intuition. Accordingly, it’s necessary to visit this exhibition. Because, in our days, lived in a world of images, Photography seems to be the right path for the appearance of the soul».
The opening was indeed a great success, during which we launched the book-catalogue: for me a first of many consecutive attempts to create little transdisciplinary platforms for knowledge to be shared across disciplines, in particular art and diverse scientific fields. All in all, this was the first time I had the feeling one can do things differently. One can use concepts to stimulate creation, while allowing the whole collective provisionally assembled to share a reasoning on a subject using art and word as a transdisciplinary platform to generate awareness. This was the first time I understood this could be a model to be repeated, and so, as we even advanced in the opening, we decided there’d be a follow-up in pretty similar terms: on the theme of the Pain. Coming soon. Well, not so soon. It would take four years.
(Precious) photos of the space by Fabrice Picard, digitalised by Luís Pena.
Lisboa, Bairro Alto, 1995. Esta foi a primeira vez que abordei um tema – a Alma –, reunindo à volta do mesmo uma série de perspectivas oriundas de diversos campos da produção artística e do conhecimento. A experiência tornar-se-ia a matriz para eventos subsequentes na esfera da curadoria. Em poucas palavras, tratou-se de: a) escolher um tópico pertinente para intervir na vida social; b) criar em seu torno uma metáfora operativa; c) juntar uns poucos artistas e pensadores, convidados a encontrarem-se e a partilhar o seu saber e intuições; d) finalmente produzir um objecto de documentação – o livro.
O que me inspirou a encontrar o meu próprio modus operandi no campo do ativismo cultural foi ter comprado um livro no lobby do Palazzo Grassi em Veneza, depois de visitar a retrospectiva de Marcel Duchamp. Chama-se Le Machine Celibi. O livro. Ora o autor-coordenador (coisa em que eu viria a repara anos mais tarde!) era… Harald Szeemann. No espírito de Szeemann, um curador de Arte Contemporânea maximamente inovador, e sendo que na altura eu pouca noção teria da sua importância na História da Arte, propus a ideia aos meus colegas da Fortespolio, um gabinete de Design Gráfico – Isabel Lopes e Luís Silva, ele próprio fotógrafo. Convidámos então uma série de fotógrafos e intelectuais para abordarem o tema da Alma por via de Fotografia e textos.
O resto é história. Correu-nos bem. O espaço escolhido (as traseiras da loja Papel&Companhia, do Rogério Moreira) era extraordinário. Um labirinto em ruínas, as instalações de uma antiga gráfica. Com a visão do arquitecto Luís Pena, autor da instalação, mais o apoio técnico de Costa Brás, engenheiro de iluminação, criámos uma atmosfera sombria, usando lâmpadas de vapor de sódio de baixa pressão. O efeito de não-cor amarelada foi perfeito para permitir que as fotos – recortadamente iluminadas com projectores de halogénio – surgissem com toda a vibração visual. A paisagem sonora realizada por Bernardo Devlin não foi menos extraordinária; usou um hipnótico loop de sons muito simples – realizado através do seu sopro para o gargalo de uma garrafa. A composição minimal permeou o espaço com uma persuasiva presença Humana.
Luís Pena: «A ideia do espaço acromático, introspecto e obsessivo — reforçada pela “paisagem sonora” de Bernardo Devlin — referenciava-se à película “Asas do Desejo” onde, no magnífico preto-e-branco de Wim Wenders, ‘anjos’ escutavam os pensamentos dos mortais. Aqui, nesse espaço, éramos nós as ‘almas’ que devassavam os pensamentos alheios… mas, sobretudo, os intrínsecos às imagens em exposição.»
Os fotógrafos conseguiram oferecer dos temas interconectados um originalíssimo ponto de vista. Fabrice Picard apresentou relíquias visuais de gente morta, imagens das suas fotografias em pedras tumulares. Pedro Ruivo evocou memórias íntimas, confrontando imagens de objectos domésticos (a preto e branco) com paisagens naturais selvagens ( a cores). Steve Cox deu notícia do progressivo desaparecimento do Povo Americano Nativo da face da Terra, na sequência da invasão de Cristóvão Colombo (repetindo uma meus imagem até à sua evanescência). Luís Silva contribuiu com uma irónica série de retratos de… tachos, num comentário oblíquo à expressão comum ‘vender a alma ao diabo’. Jorge Nogueira expôs uma série de misteriosas experiências remetendo para os procedimentos da Alquimia.
Os autores dos textos foram António Ramos Rosa, o poeta, Prof. João Lobo Antunes, neurocirurgião – ambos venceriam o Prémio Pessoa nos anos imediatamente seguintes –, Frei Bento Domingues, teólogo e Nuno Porto, antropólogo.
Na inauguração foi de facto um grande sucesso, durante a qual lançámos o livro-catálogo: para mim, a primeira de muitas tentativas de criar pequenas plataformas transdisciplinares para partilha do conhecimento entre disciplinas, mormente entre a arte e diversos campos científicos. Ao fim e ao cabo, foi a primeira vez que tive a sensação de que podemos fazer as coisas de forma diferente. Podemos usar conceitos para estimular a criação, permitindo que o todo todo colectivo efemeramente reunido partilhe o entendimento sobre um determinado assunto, usando a arte e a palavra como uma plataforma transdisciplinar capaz de gerar consciência. Foi a primeira vez que recebi que este seria um modelo a repetir, e assim, como avançámos a inauguração, decidimos que haveria um follow-up em termos semelhantes: sobre o tema da Dor. Brevemente. Bem, nem tanto. Demoraria 4 anos.
(Preciosas) fotos do espaço por Fabrice Picard, digitalizadas por Luís Pena.