Ano Zero a acabar em 2017

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Inaugurou (e está quase a acabar) em Coimbra a segunda edição da ANO ZERO – Bienal de Arte Contemporânea. A organização é do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, em parceria com a Câmara Municipal e a Universidade. ’Curar e Reparar’ é o tema: «Os artistas convidados, concebendo obras especificamente para a bienal ou representados com peças previamente existentes, dão expressão a múltiplos entendimentos (sociais, pessoais, ambientais ou arquitetónicos) desta preocupação da nossa relação com o mundo e com o outro.» Noutra dimensão, o acontecimento reflecte sobre as feridas da cidade.

Uma visita-relâmpago basta para aferir da qualidade e excelência da proposta, com direcção geral de Carlos Antunes e curadoria de Delfim Sardo. Restrinjo-me a um par de impressões, até porque a experiência de atravessar a cidade e depois chegar a espaços como o do Mosteiro de Santa-Clara-a-Nova é esteticamente exigente, com uma intensidade rara. Highlights possíveis: a sala da intervenção de Fernanda Fragateiro (em diálogo com a depurada text-art de Francis Alÿs), momento que a par do ‘processo processional’ de William Kentridge no Torreão Sul justificaria todos os quilómetros feitos.

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Mas há tanto, tanto mais: o labirinto de espécies vegetais no exterior de Gabriela Albergaria, a escultura arquitectural de Ângela Ferreira, a inusitada instalação de Rubens Mano, a fotografia-projecto-de-investigação de Maçãs de Carvalho… A palavra está muito gasta, mas esta é verdadeiramente uma exposição imperdível, genuinamente internacional e decididamente específica na sua relação com o património, tanto histórico como arquitectónico. É uma coisa de se percorrer com um ritmo próprio que advém de uma mais do que criteriosa implantação do conceito, para o que terá certamente contribuído o rigoroso e ao mesmo tempo discretíssimo projecto espacial do Atelier do Corvo.

No texto de Defim Sardo, há um parágrafo denso que põe qualquer radicalidade ‘a fancos’. E que se calhar à sua maneira a redime – ou ‘repara’ –, precisamente por via da qualidade estética das peças e do poder imanente da sua exposição:

A proposta da bienal foi, portanto, de se situar nos antípodas de um pensamento radical, de uma proposta que se reivindicasse da raiz, da origem ou do apagamento, da limpeza ou de qualquer purismo. Há um bolor moral na radicalidade que foi o ponto do qual esta proposta se pretendeu desviar a partir de um trabalho dos artistas sobre a memória — a própria, a coletiva, a ficção da coletividade. A proposta que construímos parte desse propósito: há qualquer coisa que pode ainda ser arranjada, mesmo que pela exposição de uma ferida.

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Fotografias de Agata Wiorko.

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