GREATER GOOD

IMG_0189

 

Isn’t it wonderful when an exhibition makes you feel so small? Not because of any cynical power game, but of the genuine sharing of the profoundly complex. Isn’t it wonderful when an Artist (with a big A) tells us of his most intimate conceptual adventures, while creating the perceptive conditions – a theatre for the apparition – and above all the emotional environment for the rhetoric of knowledge to open up a espace for the common dream.

 

Isn’t it wonderful that these images speak to us of the silence where they await for us, one day?

 

IMG_0203DSCF7027

Suspended between suggestions of scale, transported by an intermedia materiality, silenced by the light, illuminated by geometry, awakened by the text (that in the end entrances us as in a guided meditation, as in some sort of scientific mantra), what comes to my mind is that one could say this is a quantic approach of art – if only I’d happen to know what I am speaking about.

 

DSCF7084

‘Paradoxical doubt as inscription’ is certainly one (didactic, if not scholastic) dimension of this MONUMENTAL (pun intended) exhibitive experiment. Only being there would I be able to speak of other, immersed in such manifestation of the will of this artist – whose heart beats for knowledge and is as well as big as the intelligence that submits to love.

 

Nice words aside, what comes to my mind is that what is crucial here is the way this exhibition speaks of the death of art in the name of its transmutation. A certain art, made of finite things has always been understood as a dead letter, by the secret agents of flux: poets, scientists, politicians… Alexandre is all this in one, and I was already missing these meetings with his intelligent action-research. We’re in January but this will for certain be considered the best exhibition of the year.

 

In sum, historically, there has been a lot of thinking on the tension between Art and Life. This exhibition, the provisional statement of an intense Academic path, is dedicated to another tension: between Life and Art. Switching the position of the terms makes all the difference? Do I make any sense?

 

OBJETO INFINITO OU UM BEM MAIOR Primeiro conjunto de dúvidas

[INFINITE OBJECT OR A GREATER GOOD First set of doubts]

An exhibition by Alexandre A. R. Costa at ARTLAB24 · Contemporary Art 15.01 — 20.02 . © 2021 Studio André Lemos Pinto

 

DSCF7079DSCF7074

É tão bom quando uma exposição nos torna tão pequeninos. Não pelo cínico jogo do poder mas pela genuína partilha do profundamente complexo. É tão bom quando um artista maior nos conta do mais íntimo das suas aventuras conceptuais, ao mesmo tempo que cria as condições perceptivas – um teatro para a aparição -, e sobretudo o ambiente emocional para que a retórica do conhecimento abra um espaço para o sonho comum. É tão bom que estas imagens nos falem do silêncio onde nos esperam, um dia.

 

Suspensos entre sugestões de escala, transportados pela materialidade intermedia, silenciados pela luz, iluminados pela geometria, acordados pelo texto (que ao final nos embala meditativamente, qual mantra científico) só me ocorre que se poderia dizer que é quântica esta abordagem da arte – se ao menos eu soubesse do que estou a falar.

 

‘A dúvida paradoxal como inscrição’ é certamente uma dimensão (didáctica, e se calhar até escolástica) deste MONUMENTAL (pun intended) experimento expositivo. Das outras teria de falar estando lá, ali dentro, na manifestação do querer deste artista que como poucos tem um coração que bate pelo pensamento e que é tão grande como a inteligência que se submete ao amor.

 

IMG_0240
DSCF7130
Agora que já passei a merecida manteiga, ocorre-me que o essencial é a forma como esta exposição fala da morte da arte em nome do seu devir. Uma certa arte feita de coisas finitas sempre foi perspectivada como letra morta pelos secretos agentes do fluxo: poetas, cientistas, políticos… o Alexandre é tudo isto e de uma penada, e já tinha saudades de me reencontrar com a sua inteligente investigação/ação. Estamos em Janeiro e esta já é a exposição do ano. Se não for, é porque terá sido lavada com Omo.

 

Em suma, historicamente reflectiu-se muito sobre a tensão entre a Arte e a Vida. Esta exposição, provisório statement de intenso percurso académico, é dedicada a outra tensão: entre a Vida e Arte. A troca das posições dos termos faz toda a diferença. Do I make any sense?

 

 

Uma exposição de Alexandre A. R. Costa na ARTLAB24 · Contemporary Art 15.01 — 20.02 .
© 2021 Studio André Lemos Pinto

Anatolia

Picture6-768x332

Once Upon a time in Anatolia. The movie was released in 2011. Watched it now. Since its first and extraordinary scene, a long nocturnaI search, it took me ‘back’ to Kafka. But also to Piero della Francesca. To Bergman and… opera. Along the film, the rigorous (if not hieratic) way sound and scape interact lead me to dive into the nuances of the human soul while being sculpted by the circumstances. It happened once upon a time in Anatolia, but in this contemporary tale one is fully overblown by the insidious anachronisms of interpersonal interaction. Voices, postures, looks, the geometry of encounters.

Indeed, «as in all of Ceylan’s films, it’s the distractions and elisions, not the official stories, that carry the existential weight of the days of our lives». I discovered this author abandoning myself to the inhospitable cold of Winter Sleep  (2014) and, sometime later, to the overwhelming intimacy of The Wild PearTree (2018) – another masterpiece. Why did I have to write this little note? Well, firstly, precisely because of the magic durée of light in the first scene of Anatolia, a movie where at some point a whisper is the highlight of existencial tensions that build for very long, long minutes, and where a pair of shimmering eyes convey the drama of one’s life in an extremely violent way. The ethical vibration released is paradoxically light, and it teaches. Maybe it heals. Like Kafka, or Piero. Or Ingmar. Nuri Bilge Ceylan’s cinema, a feast of dialogue even when there are now words exchanged, an orgy of silences and obscurities, demands exceptional care from the spectator’s gaze. In turn it delivers something sacred, the heavy grace of dust.

ANATOLIA2

Once Upon a time in Anatolia. O filme é de 2011. Vi-o agora. Desde a primeira cena, uma longa e extraordinária busca nocturna, fui ‘devolvido’ a Kafka. Mas também a Piero della Francesca. A Bergman e à… ópera. O modo rigoroso (senão hierático) como o som e a paisagem interagem para me orientar no mergulho nas nuances da alma humana enquanto é esculpida pelas circunstâncias. Aconteceu once upon a time na Anatólia, mas neste conto contemporâneo somos completamente varridos pelos insidiosos anacronismos da interacção pessoal. Vozes, posturas, olhares, a geometria dos encontros.

Com efeito, «tal como em todos os filmes de Ceylan, são as distrações e as omissões, não as histórias oficiais, que transportam o peso existencial dos dias das nossas vidas». Descobri este autor abandonando-me ao frio inóspito de Winter Sleep  (2014) e, algum tempo depois, à brutal intimidade de The Wild Pear Tree (2018) – outra obra-prima. Porque é que tinha de escrever esta pequena nota? Antes do mais, por causa da durée mágica da luz na primeira cena de Anatolia, um filme em que a dada altura um suspiro é o pico de tensões existenciais que se acumulam durante longos, longos minutos, e em que um par de olhos brilhando na noite carregam o drama de cada vida de modo extremamente violento. A vibração libertada é paradoxalmente leve, e ensina. Talvez cure. Como Kafka, ou Piero. Ou Ingmar. O cinema de Nuri Bilge Ceylan, um festim de diálogo mesmo quando não são trocadas palavras, uma orgia de silêncios e obscuridades, exige um cuidado excepcional por parte do espectador. Em troca oferece algo sagrado, a pesada graça do pó.

ANATOLIA3

 

 

It takes three to…

WITH CASTRO CAEIRO AND NELSON GUERREIRO

This is the moment where the philosopher whose thought is absolutely crucial for the moment we live in, and who has recently brightened the FILO-LISBOA conference, meets… Vicente, lui même, wearing his sailor outfit. I am a witness and a spectator, but I confess: I can’t remember the specific reason for the tripartite complicity. The eyebrow raising of António de Castro Caeiro is a bit less expansive than Nelson Guerreiro’s, but what might that mean, looking back? We were in Carmo Archaelogical Museum, the 13th of September 2018 (a Friday), after presenting the VICENTE book. The geometry of gazes in the picture confirms, that is certain, my deepest fascination for the thought, the character, and the personhoodof my homonymous brother. And Nelson, on his birthday, was no less enchanted (in fact asked right there Castro Caeiro to hand him over the printed version of his paper)…

In this image there are subtle layers that lead to remote facts, the kind of facts that for a wannabe culture critic like moi, are more than just fait-divers. They unravel biographical threads that work out as narrative pearls (as if God were an essayist with a poetic vein).

On the right-hand side, Haddock-Guerreiro had no clue, at the time, that he’d be creating a new cultural refence in the Algarve’s summer – the Bóia [which means ‘floater’]. He certainly wasn’t ruminating on the 18 years that already had passed since the 37.º Congress of Young Philosophers, dedicated to the Imaginary, and that he organized in 2000 (the first and only time the event left Spain, to be held in Portugal).

On the left-hand side, exiting (for practice?) there he is, Caeiro. After having been a member of the trash-punk combo Mata Ratos (playing the bass, what else?) – the iconic band that forever stained the reputation of mothers in law – he found himself in philosophizing (askesis he practices with the same arete with which he practices muay thai). In the framework of VICENTE, it was him who redeemed some of the key-moments in the textual production of the whole Project – among them Nelson’s light-fictional meanderings. Might be about that that we are speaking in this mute image? Whatever. Wahlverwandtschaften like these are like an embrace of the instant. Voilá. This is culture with a Human face, the crossing of mutually pollinating biographies. The dance of eyebrows.

Note: far below, a few lines of Castro Caeiro’s text for VICENTE [sorry, sorry, sorry, only in the original Portuguese].

 

Below: António de Castro Caeiro, speaking online in FILO-LISBOA.

FILO-LISBOA-CASTRO-CAEIRO

Em cima: António de Castro Caeiro, falando online no FILO-LISBOA.

 

Ele há cada dois. Momento em que se cruzam um filósofo absolutamente pertinentes para o momento que vivemos, e que ouvimos há dias a agigantar o FILO-LISBOA e, vejam lá, Vicente lui même, em outfit de marinheiro. Sou testenhuma e espectador, mas confesso não reter na memória o motivo para a tripartida cumplicidade. O sobrolho do António de Castro Caeiro ergue-se um tanto menos que o do Nelson Guerreiro, mas o que quererá isso dizer, a esta distância? Estávamos no Museu Arqueológico do Carmo, aos 13 de Setembro de 2018 (uma sexta-feira), depois da apresentação do livro do VICENTE. A geometria dos olhares na foto confirma, isso é certo, o meu profundo fascínio pelo pensamento, pelo carácter, e pela pessoa do meu irmão homónimo. E o Nelson, em dia de aniversário, não estava menos encantado (tanto que lhe cravou ali mesmo a versão impressa do paper)…

Quais layers subtis nesta imagem há depois factos remotos que, na óptica de um pretenso crítico da cultura como o je, são mais do que fait-divers. Desvelam tramas biográficas que são pequenas pérolas narrativas (como se Deus fosse um ensaísta com veia poética).

Repare-se que à direita, o Haddock-Guerreiro não fazia nesta altura a menor ideia de que viria a criar dois anos depois uma nova referência da cultura estival algarvia – a Bóia. Também não estaria certamente a ruminar que já tinham passado 18 anos desde o 37.º Congresso de Jovens Filósofos, dedicado ao Imaginário, e que organizou nesses idos de 2000 (a primeira e única vez se realizou fora de Espanha).

À esquerda, de saída (para os treinos?) está o Caeiro que, depois de ter tocado baixo (what else?) nos Mata Ratos – icónica banda trash-punk que para sempre manchou a reputação das sogras – se encontrou no filosofar (askesis que pratica com a mesma precisão com que pratica muay thai). No VICENTE, foi ele quem no sentido posfácio resgatou alguns momentos-chave da produção textual de todo o Projecto – entre os quais os devaneios leve-ficcionais do Nelson. Será disso que estão a falar na imagem ora muda? Whatever. Wahlverwandtschaften como estas são um abraço ao instante. Voilá. A cultura com rosto humano é isto, cruzamentos de biografias que se polinizam. A dança dos sobrolhos.

E vai de citação: «Esperamos que os outros por vir, cheguem à nossa beira e nos convoquem do mesmo modo que nos constituímos em herdeiros e vivemos numa contínua habilitação da herança que nos foi deixada em testamento não só por pais, avós e bisavós, mas por todos aqueles que se salientaram nas suas vidas pelo poder que lhes foi conferido pelas suas obras, obras físicas, tecnológicas, industriais, obras do espírito, daquele sopro que se abate sobre nós e nos configura na possibilidade da transcendência, da auto-transcendência, da ultrapassagem de nós próprios, que nos habilita a uma existência maior do que a que temos, uma existência superlativa, total, nec plus-ultra. Este modo de os outros nos acontecerem é um encontro.» (Caeiro, o Castro, no posfácio da obra VICENTE. Símbolo de Lisboa. Mito Contemporâneo, uma edição Theya)

Aliás, soma e segue: «Queremos assim também que os outros se aproximem de nós através do que dizemos ou escrevemos à moda antiga por carta ou contemporânea. E queremos porque o projecto vital, o lance em que estamos lançados, desde sempre está aberto ao passado e ao futuro, por uma forma complexa do que podemos chamar saudade e que tem como objecto tanto o passado, como o futuro, como o presente. Viver era recordar para Platão, uma forma de reconhecimento de um itinerário que nos leva continuamente para nós próprios, seja o fim Ítaca ou Lisboa.»

 

 

WINDOWS

The synopsis of the film reads: «Eulália, a conservative 65-year-old mother, finds out that her son who emigrated to Germany became Fostter Riviera, the internationally awarded first Portuguese gay porn actor. From shock and disgust to desperately trying to understand him, Eulália embarks on an emotional journey that puts her values, expectations and perceptions to the test. With the computer and Facebook as her main sources of information and communication, Eulália’s quest to get closer to her son makes her click on unexpected websites, meet unlikely people and challenge herself to see her son perform a live sex show in the annual Portuguese erotic fair.» I add: and what a trip! A chronicle of the most absolute transmutation, on the other side of judgement, told with the subtlety of a precise boxing hook [I have been watching Million Dollar Baby a few days ago]. As if words could become tweezers to open the chest of the Human. And the face of an intimate religious image a portal. In the backdrop, the city, brilliantly observed, with care for the most narrative of details: the light of a window at late night. Saint Rita help us in this world.
UNTIL PORN
Reza a sinopse do filme: «Eulália, uma mãe de 65 anos, católica e conservadora, descobriu através da Internet que o seu filho, emigrante na Alemanha, tornou-se no primeiro actor porno gay português premiado internacionalmente: Fostter Riviera. Com o computador e o Facebook como única forma de comunicação com o filho, Eulália começa uma longa jornada emocional na tentativa de aproximação ao filho.» Acrescento eu: e que viagem! Uma crónica da mais libertadora transmutação, contada com a subtileza de um gancho de boxe bem colocado [estive a ver o Million Dollar Baby há dias]. Como se as palavras pudessem ser pinças para abrir o cofre do Humano. E o rosto de uma imagem religiosa íntima um portal. Em fundo, a cidade brilhantemente observada, no cuidar do mais narrativo dos detalhes: uma janela iluminada pela noite adentro. Valha-nos Santa Rita neste mundo.
ATÉ QUE O PORNO

Hare Krishna

IMG_1823IMG_1825IMG_1826IMG_1827Caldas da Rainha, bus station, July 2020. In the spirit of the previous post, here they are, the images of our restored Last Supper. Originally realised in the framework of OVNI – Visual Objects from Nepal and India. The context is certainly quite different than of last January. And truly both more assertive and aware. The work is by Mariana Cordeiro and Rita Conde, extraordinary students who believe in themselves in a way that restores a teacher’s belief in this generation. Souls mate, and these gods are the living proof that a repairing epiphenomenon may as well become the icon of intimate gestures for the urban common(s).

Hare Krishna

Caldas da Rainha, estação de autocarros, Julho de 2020. No espírito do post anterior, aqui estão, as imagens da nossa restaurada Última Ceia. Originalmente realizado no âmbito do OVNI – Objectos Visuais do Nepal e da Índia. O contexto é bem diferente do do passado mês de Janeiro. E francamente mais assertivo e consciente. O trabalho é de Mariana Cordeiro e Rita Conde, estudantes extraordinárias que acreditam em si próprias de uma maneira que restaura a fé de um professor nesta geração. As almas encontram-se e estes deuses são a prova viva de que um epifenómeno restaurador pode bem ser o ícone de gestos íntimos pelo comum urbano.

IMG_1821IMG_1819IMG_1824

 

Repairing*

Every moment in this exhibition is a treaty on presence. The works enter a dialogue between each other and with the exhibition space, comprising the city and the universe, in a way that builds a righteous path where every suggestion is a revelation.
CAIXA-NEGRA-1
The main performatic moment happens at the entrance/exit, with the black box [‘caixa negra’ in Portuguese, the very name of the exhibition] calling for a gesture of inclusion by the very spectator, who is exposed him/herself to that gesture’s meaningfulness.
CAIXA-NEGRA-3
I can’t imagine a better – or more focused – way to communicate (with) the pandemic, as a delicate play with/game of survival where the intimate and the absolute, the private and the public are exposed as relations.
CAIXA-NEGRA-2
This exhibition is light, light that enters the room and is there kept. Healed. The square outside is the public, the tiny amphora here inside, space between space.
CAIXA-NEGRA-5
CAIXA-NEGRA-6
CAIXA-NEGRA-4
Congrats to the mentor of this event, performer, researcher and lecturer Teresa Luzio, who here presents her work together with students and alumni of ESAD.CR. She is an example of radical and assertive honesty, concerning how to reimagine the role of art in our cities.
The curator-healer is Madalena Folgado, whose picture below captures the essence of her relation with space around; a keeper of what is not an object or objectifiable, but that which manifests itself – as she puts it – «in the relation between the objects – at different scales, as leaps of Conscience. Work-city-Cosmos.» Hers has been the proposal of the black box – the black cube “Augúrio (do) Nada” [“Omen (for] Nothing”] –  that calls for silence in the atrium at the stairs, and hers is the text that miraculously captures the sense of this collective effort through which women – each one dealing with their own processes – associate to the goddess Pandemia to hold the trauma with a hug of light.
Below Madalena’a text [in Portuguese] framing this almost secret exhibition. Caixa Negra is open to the public until July 31 at the Galeria de Exposições do Espaço Turismo das Caldas da Rainha (over the ‘Praça da Fruta’).
*In Portuguese, the verb ‘reparar’ bears two lawyers of meaning: noticing/paying and mending/fixing (something injured or damaged).
CAIXA-NEGRA-MADALENA
REPARAR
Cada momento desta exposição é um tratado de presença. As obras dialogam entre si e com o espaço, incluindo o da cidade e do universo, de um modo que constrói um percurso íntegro em que cada sugestão é uma revelação.

O momento performático por excelência é a caixa negra [nome da exposição] à saída/entrada, um apelo ao íntimo enunciar/anunciar da co-presença do/a espectador/a, expondo-se por um momento ao seu próprio gesto de inclusão.

Não imagino melhor – ou mais focado – modo de dizer a pandemia, no seu delicado jogo de sobrevivência em que o íntimo e o absoluto, o privado e o público são expostos enquanto relações. Toda esta exposição é em suma luz que entra e é guardada. Curada. A praça lá fora é o público, a pequena ânfora cá dentro o espaço dentro do espaço.

Está naturalmente de parabéns a mentora desta iniciativa radicalmente honesta e ao mesmo tempo assertiva do lugar da arte nas nossas cidades: a performer, investigadora e professora Teresa Luzio, que aqui expõe em mão de igualdade com discentes e alumni da ESAD.CR: Ana Raquel Pessoa, Filipa Jesus, Inês Garcias, Luna Gil, Matilde Gazeau Frade, Sofia Maciel.

A curadora-curandeira é a Madalena Folgado, que a imagem em baixo capta na essência da sua relação com o espaço; guardiã do que não é objecto nem objectificável, mas que se manifesta – com ela diz, «na relação entre os objectos – a diferentes escalas, enquanto saltos de Consciência. Obra-cidade-Cosmos.» É dela a proposta da caixa negra – o cubo negro “Augúrio (do) Nada” – que convida ao silêncio no átrio junto às escadas, e o texto que milagrosamente capta o sentido deste esforço conjunto em que mulheres – cada uma em seus processos – se associam à deusa grega Pandemia para a abraçar o trauma com um abraço de luz.

Para que conste, eis o texto (da autoria da Madalena) que enquadra esta quase secreta exposição. Caixa Negra está patente até 31 de Julho na Galeria de Exposições do Espaço Turismo das Caldas da Rainha (ao cimo da Praça da Fruta).

«Há voos que são quedas. Verdadeiros golpes de asa capazes de estilhaçar mundos para os doar à Terra.

Sete artistas caíram em si. Caíram em nós; ataram-se sem se emaranhar. Teceram relações até ao infinito do seu possível – o Agora – e deram-nos a ver que as constelações estão e-ternamente em aberto; não conhecem o espaço como confinamento. Trocaram objetos entre si, cuja imensidão íntima [Gaston Bachelard] lhes permitiu confiar a sua queda ao Outro. Desenharam inesperadas órbitas até chegar ao centro da sua existência. Descobriram que também o seu sol não exige o retorno da Terra à qual se doam. Caíram no próprio Amor, que é o Amor-próprio.

Oferecem-nos húmus e coordenadas para nos perdermos; o cromossoma do acolher, sem predeterminação biológica. Só por acaso as sete artistas são sete (7) mulheres – 7+1 = 8. Incluo-me neste infinito vertical (8), que é para muitos de nós a redescoberta do tempo; ou a própria atemporalidade – O tempo suspenso, vertical, tão terrível quanto fértil, que os artistas tão bem conhecem, e que a Pandemia deu a conhecer a um maior número de pessoas. Incluo-me, também, porque esta não é uma mostra exclusiva, é uma manifestação do Comum, em aberto; um olhar renovado sobre os processos horizontais de cocriação artística.

A exposição Caixa Negra marca a reabertura da Galeria de Exposições do Espaço Turismo das Caldas da Rainha, após o período de confinamento devido à Pandemia. Simultaneamente guarda e expõe os registos deste e de outros tempos suspensos, onde o acaso importa – onde o acaso é por-ventura a nova porta, para o encontro com o Outro que nos acontece. É por isso tempo de Aprender a Ser, pilar da educação da UNESCO, nesta cidade assinalada como criativa pela mesma Organização Mundial.

Entre as artistas há – por acaso – uma professora. Aprender a Ser é antes de mais aprender a cair. O caos do acaso combinado com a ordem alfabética dos nomes das artistas fez com que o seu nome fosse empurrado para o final da lista vertical em cartaz. Caiu primeiro que as alunas, para poder ver as suas quedas; a professora tem a vertigem do ensino horizontal. O que nos lembra o poema Pórtico do poeta Daniel Faria, cuja existência foi tão fugaz como luminosa: Com os meus amigos aprendi que o que dói às aves / Não é serem atingidas, mas que, / Uma vez atingidas / O caçador não repare na sua queda. 

As artistas pedem-nos silenciosamente que como as estrelas cadentes – meteoros que fugazmente rasgam os céus – lhes confiemos um desejo neste tempo de exposição íntima: Um desejo antigo de criança, agora renovado; um bom augúrio, já que se vêem impedidas de inaugurar. Este é, também, um convite para que se deixem contaminar pela Pandemia que a Caixa guarda, não sendo esta uma caixa de Pandora.

A origem e significado do termo Pandemia no grego antigo, diferentemente do atual uso cultural, foi em tempos simplesmente a todos pertencer; ou, ser comum a todos, epíteto de uma versão mais terrena de Afrodite, a deusa grega do Amor e da Beleza. Saibamos guardar desta exposição o seu original sentido. Transformemos, como as artistas, as perdas em recompensas; as dolorosas ausências em vazio criativo, útero comum do novo dia. Faça-mos deste modo bom uso cultural do termo Pandemia, não fosse o ato criativo, como aqui tão bem se expõe, um ato de comunhão.

O Amor e a Beleza sempre estiveram connosco; os artistas sabem-no bem. No princípio e no fim tudo em Caixa. Negra, Outrora, porque a Luz entra Agora em cada reparar. E, em cada reparar, um recomeçar.»

 

CAIXA-NEGRA-MC

Toma!

I confess I am tired of… ‘urban art’. But here I am looking (amazed) at this work by Nuno Viegas, who transforms this anonymous white façade into an image of the very city of Caldas da Rainha. An image of the city being it/herself and of the very possibility of art. Delicious ambiguity, highlighted by the sememe of the glove. The portal has been opened at Praça 5 de Outubro (known as ‘Praça dos Bares’) and is part of the concise aesthetic proposal of a Festival – Festival Artístico de Linguagens Urbanas (FALU) happening in Caldas da Rainha until October, in a partnership of the Municipality with the cultural association Riscas Vadias.

Bordalo II, Add Fuel, Akacorleone and Daniel Eime are other guest artists in this edition, which also will feature work following an Open Call. Let there be more. Ah! The name FALU “comes from the phonetic similarity between a figurative element that characterizes the city – the phallus – and the word “falo”, like in “falar” [to speak], which is related to the actions of communicating and expressing. Not bad – well said.

IMG_1514-2

PS In the meantime (after the Summer), Bordallo II and Akacorleone joined the party. I confess that the aesthetics of Bordallo II does not mean much to me, but in this intervention one witnesses the pure magic of the art of light, in a joyous dialogue with place involving a range of dimensions: for starters, the tension between ruin and meaning; also the relation between symbol and iconicity; the way the work changes along with the slow passing of the hours. Touché.

Akacorleone takes another path, graphic, illustrative, and above all overtly amorous. It inscribes in the urban fabric a word that arguably says it all: Obrigado. A building becomes an urban character, fully developed. In a word, FALU became at this point an important element of the urban narrative of Caldas. One may debate to what extent the local has been obnubilated by the global, but there are things to which the most elementary aesthetic justice cannot remain indifferent. Like this nervous animal presence that suddenly illuminated the night with the delicate power of so many dilly-dally (of not bitchy) lines [in Portuguese: riscas vadias] in electric motion.

BORDALLO II NOITE BORDALLO II NOITE DENTRO

Confesso que estou… cansado de arte urbana. Mas eis que Nuno Viegas rasga esta anónima fachada branca com uma imagem que torna a cidade ela própria uma imagem de si própria e do que pode a arte. Deliciosa ambiguidade, exponenciada pelo semema da luva. O portal encontra-se aberto à Praça 5 de Outubro (dita ‘dos Bares’) e integra a concisa proposta estética do Festival Artístico de Linguagens Urbanas (FALU para os amigos), que está a decorrer nas Caldas da Rainha até Outubro, numa parceria entre a Câmara Municipal e a Associação Riscas Vadias, responsável pela iniciativa.

Bordalo II, Add Fuel, Akacorleone e Daniel Eime são outros artistas convidados para esta edição, que integra ainda criações na sequência de uma Open Call. Venham mais. Ah! Consta que o nome FALU “surge da semelhança fonética entre o elemento figurativo característico da cidade: o falo, assim como da palavra falo, de falar, comunicar, expressar”. Nada mal visto (dito).

PS Entretanto (após o Verão), Bordalo II e Akacorleone juntaram-se à festa. A estética de Bordallo II, confesso, pouco me diz, mas nesta intervenção estamos diante de pura magia da arte da luz, num felicérrimos diálogo com o lugar em inúmeras dimensões: desde logo na tensão entre ruína e significado, na relação entre símbolo e iconicidade, através da forma como a peça se transfigura à medida que as horas passam lentamente. Na mouche.

IMG_2955IMG_2181IMG_2182IMG_2958

Akacorleone, por outra via, gráfica, ilustrativa, mas sobretudo abertamente amorosa, inscreve no tecido urbano uma palavra que diz (quase) tudo: Obrigado. Um prédio torna-se personagem urbana, plenamente assumida. Numa palavra, a esta altura o FALU tornou-se em importante elemento da narrativa urbana de Caldas. Deverá debater-se em que medida o local não se terá deixado obnubilar pelo global, mas há coisas a que a mais elementar justiça estética não pode ficar indiferente. Como esta presença animal e luminosa que de repente iluminou a noite com o delicado poder de umas tantas riscas vadias (sic) em eléctrico movimento.

Forever 25

IMG_1306

«Há um momento em que as gaivotas desenham mensagens no céu da manhãIsto foi escrito antes do amigo Corona nos trocar as voltas ao quotidiano. Hoje, 25 de Abril 2020, e ao contrário do que costumeiramente fiz durante décadas, passeio pelas ruas quase vazias de Caldas e e deixo-me levar pelas músicas das janelas e as conversas nas varandas, a lembrarem-me que só existe uma coisa: o momento presente. As andorinhas em manobras aéreas sobre o pátio, o casal de gaivotas que nunca se tinha aproximado tanto, isso tudo foi ‘ontem, já só são memória.

IMG_1310Na minha manif. silenciosa de final de tarde, e depois de, de manhã, ter, como é tradição, ter posto o vinil aos berros em casa – para gáudio do meu puto (‘Agora’ do Zeca, seguido de ‘Heaven on their Minds’) – os meus passos levaram-me à ‘Praça do Peixe’. E aí uma voz arranca-me à introspecção da escrita melancólica deste post. É a Susana Valadas do Jardim (Waldorf) da Amoreira, que se cruza comigo também ela na sua manif. íntima. Vai mais ‘artilhada’ do que eu, com cartaz na bike e tudo; mas estamos juntos na imagem, pois do lado de cá do i-phone estou de patriótico pull-over verde e cachecol vermelho. Bom 25!

IMG_1313

Mas ora digam-me lá. Não é daqueles sorrisos todos horizonte, confiança e luz? São estes encontros – pequenas e subtis aparições do socius – que dão força aos intelectuais de retaguarda (genial expressão cortesia de Boaventura Sousa Santos, no JL) aquele boost de genuína humanidade que nenhuma app, nenhum hype, nenhum 5G seriam capazes de me oferecer. São sementes. Até para o ano. Sempre.

 

 

Ruthless Ruth

Yesterday, on the radio, I heard a voice of a terrible candor and force, of a sweetness and conviction made of a long and intense experience of life. It cradled me on the way from home to School, already late. But I risked to loose some more minutes and, of course, I finally acknowledged it was the voice of Isabel, a being whose luminosity literally puts anyone in his/her place. On top of that, speaking of her experience of… Kathmandu! Of an initiatic trip in 70’s, told with the tenderness and the respect that each one’s youth deserves. This is the right moment to share a brief encounter with the First Lady Of Portuguese Cinema in the National Theatre D. Maria II, as beautiful as adorable, in the interval of Life, on the stage of affinities. In white, hand in hand. And the Mário goes to… Isabel Ruth!

Ruthless Ruth (moments)

Ontem, na rádio, uma voz de uma candura e de uma força terríveis, de uma doçura e de uma convicção feitas de uma longa e intensa experiência da vida ia-me embalando no percurso casa-Escola, já atrasado. Mas arrisquei perder mais uns minutos e claro, finalmente percebi que era a voz da Isabel, um ser cuja luminosidade coloca qualquer um literalmente no sítio. Ainda por cima a falar de… Kathmandu! De uma viagem iniciática feita nos idos de 70, que relatou com a ternura e o respeito que a juventude de cada um merece.  É pois um momento de partilhar este breve encontro com a Primeira Dama do Cinema Português no Teatro D. Maria II, tão bela quanto amável, no intervalo da vida, no palco das afinidades. De branco e de mão dada. E o Mário vai para… Isabel Ruth!

IMG_0524

 

 

 

 

 

 

IMG_4742

The picture is awful and, arguably, the models no better. But what a moment! The meeting happened last December (2019), in Universidade Católica in Lisbon, during the “Building Narrative: Cultural Interfaces and Spatial Meaning” conference. On my right, no less than Malcolm Miles, one of my intellectual heroes and with whom I happen to co-operate since 2000 (he was THERE, during the very initial tottering moments leading to what would end up becoming a sort of iconic urban event: Lisbon Capital of Nothing – Marvila 2001). His latest book Cities and Literature shows how literature frames real and imagined constructs and experiences of cities. The text offers access to literature from an urban perspective for the social sciences, and access to urbanism from a literary viewpoint. Lovely crossover. On my left, Krzysztof Nawratek, a sort of radical partisan of a nu-urbanism. He defines himself as a ‘transhumanistic post-christian democrat’. The author of the surprising Total Urban Mobilisation: Ernst Jünger and the Post-Capitalist City, Nawratek’s main research interest lays in urban theory in the context of post-secular philosophy, the crisis of the contemporary neoliberal city model and urban re- industrialisation. Uf! In other words, and now seriously:  urban theory can be… loads of fun.

The gorgeous poster (below) is by designer Nayara Siler, on photography (taken in Varanasi, India) by Agata Wiórko.

unnamed

A fotografia é péssima e os modelos, se calhar, não muito melhores. Mas que intenso momento! O encontro ocorreu Dezembro passado (2019) na Universidade Católica em Lisbon, durante a conferência “Building Narrative: Cultural Interfaces and Spatial Meaning”. À minha direita, nada menos que Malcolm Miles, um dos meus heróis intelectuais e com quem tive a oportunidade de cooperar desde 2000 (ele esteve LÁ, durante os titubeantes momentos iniciais do que viria a tornar-se um evento urbano porventura icônico: Lisboa Capital do Nada – Marvila 2001). O seu livro mais recente, Cities and Literature, mostra como a literatura enquadra construtos e experiências, reais e imaginários, das cidades. O texto oferece acesso à literatura numa perspectiva urbana para as ciências sociais, e acesso ao urbanismo de um ponto revista literário. Adorável cruzamento. À minha esquerda, Krzysztof Nawratek, espécie de partisan radical de um novo-urbanismo. Ele define-se a si próprio como ‘democrata transumanista pós-cristão’. Autor do surpreendente Total Urban Mobilisation: Ernst Jünger and the Post-Capitalist City, o seu principal foco de investigação assenta na teoria urban no contexto da filosofia pós-secular, da crise do modelo de cidade contemporânea neoliberal e da re-industrialização urbana. Ufa! Por outras palavras, e agora seriamente: a teoria urbana pode… dar imenso gozo.

O belo poster (em cima) é da autoria de Nayara Siler, sobre fotografia (tirada em Varanasi, na Índia) de Agata Wiórko.